para Friducha e Artaúde
Meus senhores, o que vos escrevo escrevo a vós para que saibais como ceder à decrepitude torna-me indigno quanto à condição humana.
Vos escrevo, senhores, por saber que a areia do tempo traz consigo a morte e esta indecorosa senhora deixa, por onde passa, um rastro de cinza e pó.
Saibais que nada enegrece mais um peito que outrora se via florido, quanto tão enegrecida é a imagem que fez ele fenecer.
E assim, senhores, ver descolar-se a pele da carne que já não é mais tenra, assim como sentir o floral putrefato das gérberas e dos crisântemos que me enterneciam os olhos na mocidade da vida e ora jazem em coroas, não cansam de mostrar-me o quão, senhores, a ninguém e a nada me valoro.
A hediondez, senhores... a hediondez de ver-me a mim decrépito não é, no entanto, mais amena que a vileza de ver esfacelarem-se os que me rodeiam.
Não bastasse o gosto de sangue e fel do horário lúgubre, saibais, não cessam de acusar-me os inquisidores dos quais também sou partícipe, com tênue rudeza que quase faz-me crer ser falso.
Atentai! Mas não! É deveras sub-humano para que possais ouvir as sonatas avernais da ária que a cruz vermelha insiste em retinir-me aos tímpanos.
Será sempre, senhores, a cantiga que me nina e me desperta até que um dia possa eu unir-me aos míticos cancioneiros na fábula de onde do alto de minha perpétua palafita, tenha eu no rosto tatuado um epitáfio que consolará apenas os que quedaram, senhores... os que quedaram!