sexta-feira, 25 de abril de 2008

regurgitofagia


|gente é uma bola com dois pontos|
|é um traço assim e outro assim e outro assim|
|queria me dissolver na água|
|porque mais que tudo|
|mais que você amor da minha vida|
|que papai e mamãe e deus e sexo e dinheiro|
|eu amo a água|
|as coisas podem acontecer naturalmente|
|acontece muito de me dizerem 'tchau' e eu ouvir 'te amo' meio italianado tchau tchau tchau tchaum tchaum tiaum tiaumo tiaumo ti aumo ti amu ti amo|
|é impossível um lapso cocacólico|
|quando é que alguém diria '...aquele refrigerante..como é mesmo..ai meu deus...aquele que parece com a pepsi...'? nunca!|
|seria imperdoável|
|você pode esquecer a luz acesa|a idade do seu pai|
|o que era mesmo?|
|tudo bem é aceitável|
|mas o lapso cocacólico está em extinção|
|existem coisas que não podem ser magoadas mas não é por isso que ainda não escrevi a coisa mais bonita que escrevi até hoje
[ o fim das ideologias é uma falácia|
|ao contrário vivemos o seu apogeu|
|no meu caso por exemplo devo lutar para ser um HUGUISTA RAFAELIANO e não um PRÉ-huguista PÓS-rafaeliano]
|nunca aconteceu de me perguntarem 'O QUE' e eu entender 'OK!'

sexta-feira, 11 de abril de 2008

bom dia, tristeza


bom dia, tristeza!
que tarde, tristeza!
você veio hoje me ver.
já estava ficando até meio triste
de estar tanto tempo longe de você.
se chegue, tristeza!
se sente comigo
aqui nessa mesa de bar,
beba do meu copo,
me dê o seu ombro
que é pra eu chorar:
chorar de tristeza,
tristeza de amar.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Monólogo de Orfeu - Orfeu da Conceição, Vinícius de Moraes


Orfeu:

Ai, que agonia que você me deu
Meu amor! que impressão, que pesadelo!
Como se eu te estivesse vendo morta
Longe como uma morta...

Eurídice:

Morta eu estou.
Morta de amor, eu estou; morta e enterrada
Com cruz por cima e tudo!

Orfeu (sorrindo):

Namorada!
Vai bem depressa. Deus te leve. Aqui
Ficam os meus restos a esperar por ti
Que dás vida!

(Eurídice atira-lhe um beijo e sai).

Mulher mais adorada!
Agora que não estás, deixa que rompa
O meu peito em soluços! Te enrustiste
Em minha vida; e cada hora que passa
E' mais porque te amar, a hora derrama
O seu óleo de amor, em mim, amada...
E sabes de uma coisa? cada vez
Que o sofrimento vem, essa saudade
De estar perto, se longe, ou estar mais perto
Se perto, - que é que eu sei! essa agonia
De viver fraco, o peito extravasado
O mel correndo; essa incapacidade
De me sentir mais eu, Orfeu; tudo isso
Que é bem capaz de confundir o espírito
De um homem - nada disso tem importância
Quando tu chegas com essa charla antiga
Esse contentamento, essa harmonia
Esse corpo! e me dizes essas coisas
Que me dão essa fôrça, essa coragem
Esse orgulho de rei. Ah, minha Eurídice
Meu verso, meu silêncio, minha música!
Nunca fujas de mim! sem ti sou nada
Sou coisa sem razão, jogada, sou
Pedra rolada. Orfeu menos Eurídice...
Coisa incompreensível! A existência
Sem ti é como olhar para um relógio
Só com o ponteiro dos minutos. Tu
És a hora, és o que dá sentido
E direção ao tempo, minha amiga
Mais querida! Qual mãe, qual pai, qual nada!
A beleza da vida és tu, amada
Milhões amada! Ah! criatura! quem
Poderia pensar que Orfeu: Orfeu
Cujo violão é a vida da cidade
E cuja fala, como o vento à flor
Despetala as mulheres - que êle, Orfeu
Ficasse assim rendido aos teus encantos!
Mulata, pele escura, dente branco
Vai teu caminho que eu vou te seguindo
No pensamento e aqui me deixo rente
Quando voltares, pela lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo!
Vai tua vida, pássaro contente
Vai tua vida que eu estarei contigo!


Reproduzido do livro 'Orfeu da Conceição', Vinicius de Moraes, Livraria S. José, Rio, 1960.